Lara, a artista

Quando Lara nasceu, os pais ainda eram muito jovens, Inácio tinha 18 anos, era fã de música popular brasileira, gostava de Caetano, Gil, Milton; Júlia tinha 17 anos, admitia que tinha sido conquistada pelo violão de Inácio, imaginava que seria casada com um cantor famoso, não queria ser como a mãe, dona de casa. Vinham de famílias muito conservadoras, que cuidaram de fazer o casamento arranjado dos dois, logo que perceberam a gravidez. Lara nasceu em meio a uma revolução, o pai, logo cedo, fora forçado a largar a música, a mãe a ser dona de casa.
O pai tinha se tornado um empregado público, tinha sido indicado para trabalhar no Banco do Brasil. Apesar disso, ainda costumava tocar violão e cantar músicas da década de 60, o pai dizia que, se não tivesse sido bancário, teria sido um músico de MPB, e dos bons. Mas nunca dizia o motivo que o levou a ser bancário.
Inevitavelmente, o desejo de ser artista aflorou em Lara, crescera em um ambiente musical, e mesmo com a relutância do pai, desejava ser a artista que o pai não fora. Não adiantava convencer Lara do contrário, queria cantar e tocar como o pai, ouvia sempre a mesma coisa, "Lara, você não vai conseguir nada, artista sofre".
Mesmo com as investidas contrárias do pai, acabou seguindo o caminho da arte, aos 15 anos, pegava o violão do pai, e descia em direção à estação do metrô, lá chamava atenção pelo talento que tinha, e até conseguia ganhar dinheiro.
Entrou na faculdade de arte aos 17 anos, foi quando necessitou sair de casa, mesmo com forte resistência do pai. A mãe era uma dona de casa triste, mas conformada com a vida, aceitou bem a mudança da filha. O pai, mesmo contra a vontade, mandava dinheiro para que a filha pudesse se manter e estudar.
Na universidade, conheceu um pessoal alternativo, cuidou de se adaptar ao ambiente, encantava com a voz doce e o violão. Pensava, "agora, vai, estou rodeada de artistas", mas não demorou para perceber que o seu talento não era suficiente, o nome, ou sobrenome da família, contava mais do que o talento.
Foi, na universidade, que teve contato com a política. Já não via mais a família da mesma maneira, via, no pai, um opressor machista; na mãe, uma vítima da cultura patriarcal.
A falta de nome não foi o único problema, logo percebeu que não conseguiria sobreviver sem a ajuda  financeira do pai, o dinheiro que ganhava nos shows  que já fazia, não era suficiente.
Sentia muito, quando o pai perguntava se o trabalho estava rendendo dinheiro, não revelava a realidade, não queria admitir que o pai sempre tivera razão.


— Minha filha, como anda a carreira de artista?
— Este mês tivemos que parar, pai. Infelizmente, essa Pandemia afetou o trabalho no meio artístico.
— Entendo, se tivesse estudado para medicina...
— Pai, como minha mãe está?
— Ela vai bem, apesar de você não nos visitar mais, só liga para pedir dinheiro emprestado, essa vida de artista não é boa!
— Mande um beijo para ela, preciso desligar.


Sozinha em casa, sentia uma dor, pois não tinha conseguindo se tornar a artista, a cantora famosa, só queria mostrar ao pai que ele estava errado, que tinha escolhido o caminho certo, mas só sentia dor, morando em um apartamento de dois cômodos, dividia aluguel com uma amiga também artista, estava desiludida, e começou a pensar na mãe, na vida de dona de casa, poderia ter sido uma boa dona de casa, não teria tido tantos problemas, teria sido mais fácil. Mas, logo lembrava que era o que o sistema patriarcal queria, lembrava que pelo menos tinha a liberdade de escolha, de ser quem quisesse, já a mãe estava presa naquela casa para sempre.
Em meio a uma pandemia, teve uma ideia, trancada em casa, pois era determinação do governo o isolamento social, ligou para diversos amigos, criou trabalho, inventou de vender pela internet os seus trabalhos. Pensava, não posso ficar assim, triste, sem fazer nada, meu sonho é ser uma grande artista, e vou fazer o possível para ser essa artista.
Em poucas semanas, percebeu que não seria assim tão simples, estava sem vontade de compôr, os amigos não ajudavam, estava na mesma situação, sozinha, sem dinheiro, sem ideias. Apesar disso, não se deixou desanimar, conseguiu escrever uma música. Solidão foi um sucesso, apesar de não receber nada além do que as plataformas de músicas pagavam, passou a ser convidada para tocar nas lives do Instagram e do YouTube, todo mundo queria ouvir Solidão. A situação de Lara mudou um pouco, queria que o pai soubesse, ligou para contar o que estava vivendo, mas não conseguiu, foi informada pela tia que a mãe e o pai estavam muito doentes, o vírus que tinha provocado a pandemia, a mesma pandemia que tinha contribuído para criação de Solidão, foi a que levara seus pais para o hospital.
Agora, sozinha, distante, sem poder visitar os pais, nada mais fazia sentido. 

Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha.

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